quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O viajante 4

Dianne - a filha de Terry - realmente era uma garota e tanto. Nem parecia filha do soldado. Porque segundo Terry - e eu gosto de usar as palavras desse velho homem - "filhos de soldados têm no sangue a prudência, assim como seus pais, não metem a bunda em qualquer buraco não!", e Dianne parecia não ter medo de morrer.

Depois de tomar minhas cervejas e de ter posto alguns gelos do copo de whisky na cara, pra aliviar a dor do soco que levei da menina-demônio, eu não podia e não queria contar ao Terry, que tinha fracassado na minha primeira missão em nome dele. O que eu podia fazer? Ir atrás dela e trazê-la pelos cabelos até em casa prometendo lhe dar algumas cervejas se ela não contasse nada? Ir atrás dela e parecer um mico de circo tentando chamá-la enquanto ela iria me ignorar e continuar se amassando com um caipira? Foi isso que fiz e foi isso que aconteceu. Sempre fui um perdedor e perdedores devem fazer coisas de gente perdedora, e foi isso que fiz. Ninguém nunca precisou me dizer o que isso significava.


Eu gritei, eu berrei, eu esperneei e nada daquela diabólica me dar ouvidos. Quer dizer, ouvir ela me ouvia, mas com certeza a mão do caipira dentro de sua blusa e sua língua tentando engolir a dela era mais interessante. Bem eu admito que também iria achar mais interessante - mas ei, éramos foras da lei ali certo? Eu não conhecia Terry muito bem, mas ele era grande o suficiente, macho o suficiente e rancoroso o suficiente pra eu saber que não seria uma boa se ele ficasse sabendo disso. Eu pensei mais alguns segundos e resolvi ir até lá .


E eu fui. E não deveria ter ido, mas eu sou um perdedor o que mais eu deveria fazer? Ah, se eu pudesse voltaria no tempo, voltaria ao bar e beberia até cair, diria ao Terry que fora Dianne quem me embebedou, ou então iria beber até cair e criaria coragem pra esfaqueá-la - aquele demoninho disfarçado de garota.
Eu fui até lá e apanhei, apanhei como nunca na vida. Perdi a chance de aprender a brigar. Perdi porque tive o maxilar quebrado, o braço também, e uma costela trincada. Quem me bateu? A encarnação de um lutador de boxe. Na verdade o caipira que estava metendo a mão nos peitos da filha do meu amigo soldado (e lunático) - era um lutador de boxe. O melhor da região. Mas é óbvio que um viajante recém chegado na cidade como eu não saberia disso, e foi então que apanhei. E o mais vergonhoso: quem trincou minha costela foi a garota.


Depois de ir ao hospital, alguém que queria minha morte avisou Terry. E foi inusitado:
- Bem, eu tinha pensado em te levar pra festa dos veteranos na semana que vem amigão, mas você falhou. - disse ele e eu estremeci.
-E não vai me levar mais porque... vai me matar e enterrar meu corpo em outro estado? Ou vai alimentar o Diego - meu melhor amigo canino - com os meus próprios restos?
-Quanta morfina te deram pra botar esse maxilar no lugar eim?
-Eu, eu...
- Amigão, eu conheço minha filha, porque acha que mandei você convencê-la? Da vez que tentei cheguei ao hospital com um caco de vidro enfiado na orelha. Sei o que está pensando, que isso seria uma cicatriz de guerra, pois bem, minha filha às vezes é pior que um vietnamita com hemorróida amigão.
Meu queixo caiu. Pobre maxilar.
-Eu nem sei o que dizer...eu.
-Você pode cortar lenha quando chegar em casa, e talvez dar banho no Diego, e eu não vou poder vir te buscar então pega uma carona. Com a Dianne lido eu, quem sabe eu mande ela à um circo, talvez a domem.
E riu bestialmente, como sempre fazia quando tentava achar graça da sua própria piada. O problema é que eu não tinha certeza se era mesmo só uma piada. Sabe como são os soldados. Mas fiquei feliz por poder continuar morando no trailler.
-Eu gostaria de ir vê-la no circo então - e tentei rir e fiquei vermelho.
-Não precisa esforçar essa cabeça oca e cheia de merda pra fazer alguma piada e me fazer sentir melhor. Sou duro na queda amigão. O exército te ensina isso. Melhore até semana que vem, você vai na festa, tenho planos pra essa merda toda que tem na sua cabeça.
E riu, e saiu.
E meu maxilar doía.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O viajante 3


Não sei porque Terry gostou de mim. Ele simplesmente me levou morar uns tempos no seu trailer. Não sei o que aconteceu comigo nesse tempo, pois a primeira coisa que fiz quando saí da casa de Terry foi comer uma ruiva que estava na estrada e logo depois comprar um trailer. A ruiva me ajudou. Marianne era o seu nome. Ela que me ensinou que prostitutas nem sempre roubam sua carteira no fim da noite.
Quando cheguei ao trailer de Terry fui apresentado à sua família. Era pequena: uma mulher a quem ele gostava de chamar de "mulher", e dois filhos, Dianne - uma linda adolescente transpirado chatice e depressão, e Adam - um excelente fazedor de cocô de 3 anos. Segundo Terry, o menino foi a coisa mais produtiva que ele e sua mulher fizeram depois da guerra, "e olha que por ter sido com três pernas, eles se sairam bem", palavras dele. Depois de conhecer a família de meu mais novo amigo lunático, fui apresentado à classe C do trailer - os cães. Eram todos sarnentos, pulguentos, vira-latas e amados. Como Terry os amava, principalmente o General - o cachorro que ele conseguiu trazer do Vietnã em um baú. Não me pergunte como, porque eu fiquei com medo de perguntar ao Terry.
Onde o veterano ia, ele ia atrás, pareciam sempre prontos para se defender de um ataque, e os dois tinham pesadelos com bombas e odiavam barulho de foguetes. Aquele cachorro conseguia entender o Terry de um jeito que nem Deus entendia.
Eles eram todos católicos - menos o Adam, Terry achava que era muito cedo pra corrompê-lo com bobagens e maluquices. Terry fingia que era católico, descobri depois. Inclusive memorizou as orações pra mulher não desconfiar. Ele na realidade achava coisa de malucos - "mas não os malucos legais e espertos, os malucos idiotas e fracos, que não tinham 10 pila pra comprar uma boa cerveja e por isso tinham que recorrer à Deus", novamente palavras dele.


Nos primeiros dias tive de me acostumar com a cama dura e com o cachorro que me adotou, literalmente. Diego - em homenagem à um ator mexicano de não sei o quê, o qual Terry idolatrava - até chegou a me trazer um pedaço de seu bife. Talvez eu tenha cara de cachorro, ou talvez ele entendeu que gosto das coisas simples, e não há nada mais simples que um cachorro. Seguindo isso, o adotei também.
A comida era simplesmente arrebatadora. Nunca comi algo igual na vida. Terry dizia que isso só aconteceu porque "a mulher estava no lugar certo e na hora certa com os ingredientes certos, como deve ser". No mundo dele, homens lutam na guerra e mulheres cozinham - onde for.
Na primeira semana, a filha chorona e depressiva teve um problema, queria ir à um luau no meio do deserto. Lá também teria um show de manobras de aviões. Era a festa típica da cidade e Terry me pediu que como favor, fizesse a filha entender que não poderia ir porque uma vez soldado - SEMPRE SOLDADO! E eles nunca esquecem disso.
Sem entender muito bem, depois de um olho roxo e 5 cervejas pra esquecer, a menina foi ao local no carro do pai, e me deixou sem dinheiro pra voltar pro trailer. Sim ela me roubou e eu não falei nada à Terry, porque soldados são sempre soldados.

A vida simples no melhor trailer do Alabama me cativou, Caí de quatro por ela como se ela tivesse as melhoras pernas do mundo e muita grana pra me oferecer. E nunca mais, consegui sair de suas garras.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O viajante 2



Em uma dessas andanças, depois de ter deixando o caminhão e seus solavancos e seu velho maltrapilho - entrei em um bar na beira de uma estrada, que nem gravei o nome, nem do bar e nem da estrada. Acho que era algo como Ted Bar - Ned Bar, mas era um bar. Igual aos outros. Foi nesse bar que conheci meu amigo Terry, um veterano de guerra, vindo do Vietnã, ainda com tudo limpo em sua cabeça, embora em seu corpo faltasse uma perna, sabem como são as granadas, são como vagabundas de fim de noite que levam algo precioso seu quando você menos espera. Não que Terry achasse que sua perna um dia lhe fora preciosa - ele dava valor à mente.
Foi nesse dia e vindo desse homem que ouvi o melhor elogio que já recebi de alguém que preste. Eu entrei no bar, ele me abordou:
- E aí amigão, vai querer dividir uma cerveja?
E eu disse, obviamente sem exitar:
- É claro, eu pago.
E ele me disse, e aí vem o elogio:
- Com certeza tu é um cara que eu gostaria de ter comigo em um trincheira. Soldados não devem exitar. Se na próxima vida nascermos para ser soldados, espero que estejamos do mesmo lado - porque amigão ambos seríamos duros de matar.
E riu bestialmente enquanto cuspia abundantemente na minha cerveja. E naquele momento eu pensei, quero ser o vagabundo lunático amigo deste vagabundo lunático veterano.
E ele ainda me disse:
- Os homens são idiotas, nunca se sabe quando resolverão guerrear e te obrigar a perder os miolos por eles. Então coma todas as mulheres que se oferecerem, escolha uma e case com ela. Tenha três ou quatro cães sarnentos, mas nada de filhos, eles não vivem sem um pai quando ele morre na guerra, ou quando ele volta sem uma perna. E beba muita cerveja, porque não se encontra cerveja assim lá fora amigão.
E foi o que fiz? É isso que vou fazer? Não sei, só sei que saí daquele bar com Terry, meu amigo veterano de guerra e fui passar uns dias em sua humilde casa. O melhor trailler do Alabama!