VOLTEI - vou dar uma pausa no viajante semana que vem, e falar sobre o show do Green Day quarta-feira passada em Porto Alegre, mas por enquanto curtam o viajante.
E como doía. Nunca tirem um maxilar do lugar, eu juro por Deus que não vale a pena - nem por aquela gata de pernas bronzeadas e shortinho rasgado - NÃO vale a pena. E eu digo um maxilar e não o maxilar, porque também nunca tirem o maxilar de outra pessoa do lugar. Com certeza depois de toda a dor, e de todo o constrangimento de falar como um retardado que levou uma picada de cobra na língua, babando e cuspindo em todos os pobres ouvintes na volta - essa pessoa que teve o maxilar quebrado por você, vai atrás e vai mandar você pro inferno - pessoalmente - e vai se certificar de que seja com o maxilar quebrado.
Terry me chamou de fresco, dizendo que eu parecia uma moçinha quando mesntrua pela primeira vez e acha que está morrendo de hemorragia. Eu pensei seriamente em deslocar o maxilar dele nessa hora, mas a lembrança de que ele foi um soldado bem sucedido em matar vietnamitas, não me deixa comprar a minha morte. Pelo menos, é a fama que ele tem. Nunca pague pra ver.
Também aprendi isso com Marianne - a ruiva - nunca duvide que alguém vai fazer algo muito improvável na sua cabeça oca, porque essa pessoa vai lá e faz pior - muito pior.
Depois que voltei para casa - o trailler do Alabama - muita coisa tinha continuado a mesma coisa. Acho que mudanças não eram comuns lá. Não vi a filha de Terry, e desconfio que ele levou até o fim sua promessa, e desconfio tanto que fiquei com medo de perguntar.
Quem me recebeu foi Diego - o cão - com mais um de seus pedaços de bife. Eu estava tão faminto que pensei em comer se ele não tivesse saído da boca de um cachorro. Mas depois de ter sido nocauteado por uma garota, que humilhação venceria dessa?
- Ah! Você chegou - disse Terry com um sorriso na cara - pra meu alívio.
- E com o maxilar no lugar.
- Deixa de ser mulherzinha amigão! Temos algo importante para fazer amanhã. É a festa anual do veteranos de guerra da cidade e você está convidado.
Fiquei com medo, eu confesso, de que isso fosse uma armadilha que Terry armou pra se vingar de mim, mas nada que uma cerveja não resolvesse depois, acabaria com o medo.
- Bem e porque eu deveria ir?
- Porque eu tenho planos pra você, que talvez sejam muito próprios pro momento, então sinta-se convidado a ir beber de graça. Cerveja de graça amigão, mais algum motivo?
- Não, está muito bom assim!
- E amigão, arranje uma bandeira dos Estados Unidos - pega bem com os veteranos! - E saiu para mais uma de suas caminhadas pelos bares do deserto.
Confesso que fiquei curioso. E confesso que descobri que tinha porque ficar. Chegamos na festa, enfeitada com bandeirinhas azuis e vermelhas, e cada participante tinha uma bandeira. Eu tinha conseguido a minha vendendo um de meus livros, que nessas viagens já li tantas vezes que sabia de cor. Terry me apresentou a vários veteranos, um mais mal encarado que o outro e a cada tapa no ombro eu me encolhia feito um cachorro desgraçado. Mas um em particular, depois da centésima cerveja, foi quem me fez o convite:
- Amigão, este é Billie, o matador!
- E aí Billie, belo apelido- eu disse, com um pouco de receio, escondido pelo álcool no sangue.
- E aí cara, Terry me falou muito bem de você! Disse que tem a características do ECGEUA.
- DO QUÊ? - eu sabia que aí vinha uma palestra.
- Do Exército Contra o Governo dos Estado Unidos da América meu caro - você está sendo convidado - disse Terry mais uma vez babando em minha cerveja. Acho que isso era um hábito muito comum no Alabama, mas depois da décima, eu já não me importava.
- E que diabos é isso Terry?
-Amigão, temos muito que conversar, mas vou lhe adiantar aqui - eu e meus conterrâneos estamos formando um exército, para lutar contra as maluquices do governo, contra tudo que eles dizem que fazem por bem, mas tem um mal escondido nas entranhas do bem. Mas precisamos de novos soldados, pois estamos ficando velhos e não conseguimos nem mais transar, imagine lutar. Por isso estamos recrutando caras como você, aventureiros, que não se importem de morrer pelo bem da nação.
Olhei pro Billie pra ter certeza de que essa loucura não era em massa, e eu teria de chamar 10 ambulâncias pra levar todos eles pro manicômio, mas ele estava balançando a cabeça já sem cabelos em sinal afirmativo, e com um olhar matador - que notei fazia jus ao seu apelido. E quem diabos tinha dito que eu morreria pelo bem da nação?
- Terry, eu... não sei se devia me envolver nisso... nem sou daqui e...
- Achei que não fosse ficar com medo....
Medo? MEDO? Medo não- qualquer coisa menos medo, eu o destemido, eu o corajoso, medo não...
- Eu topo.
- É mesmo? - disseram os dois, em igual empolgação.
- Sim, nunca treinei pra algo assim, e acho que tá na hora de fazer algo novo. - Eu estava mentindo, mas não sabia. Descobriria depois, e lembraria de que não se deve aceitar nem mulher quando se bebeu mais de 15 cervejas.
A festa acabou bem, vários veteranos cantando emocionados o hino do país, chorando como um bando de bebês, quando na verdade não passavam de beberrões nacionalistas e traumatizados, sem uma perna ou um braço, loucos para lutar e estraçalhar o inimigo outra vez. Pensando por esse lado eu corri riscos de vida nessa festa.
Eu agora também devia entrar nesse espírito, eu já tinha uma bandeira, e me deram um cd do Bruce Springsteen pra ouvir e decorar as letras, fazia parte do treinamento psicológico, diziam eles. Quando acordei, fui conversar com Terry pra saber se eu tinha sonhado com aquela ideia maluca, mas não, era tudo verdade, e no meu caso, obra do álcool.
Mais um etapa maluca dessa viagem estava pra começar, e eu pensei: "bem, porque não? Eu já sentei minha bunda até em caçamba de caminhão de porco, porque não isso?" E coloquei o cd do Bruce pra tocar.